17 de julho de 2012

Book Of Stories

Faz hoje quatro anos que a minha avó morreu. Já aconteceu tanta coisa depois disso, mas a imagem que tenho dela a morrer, ali à minha frente, é algo que tendo a relembrar todos os dias. Julgo ter sido o acontecimento que mais me marcou até agora, não só pelo facto de ter assistido, mas também por ser uma das pessoas que mais gosto. Foi aquela que presenciou, sempre de perto, os primeiros dezoito anos da minha vida. Era a casa dela que eu ia passar, religiosamente, as noites de sábado para domingo, para ir no domingo de manhã a pé à missa. Dormia sempre no lado da cama que, em tempos, pertenceu ao meu avô (que nunca cheguei a conhecer) e ao pequeno-almoço bebia sempre sumo na chávena dele. É claro que as chávenas não são feitas para beber sumo, mas era o único dia da semana em que podia livrar-me de beber leite e a chávena do meu avô passou a ser usada obrigatoriamente sempre que lá ia. No fundo, porque era uma forma de estar mais perto dele e porque sabia que a minha avó ficava feliz.
Lembro-me que ela tinha sempre pastilhas para mim na "minha" mesa de cabeceira e que lamentava profundamente sempre que se esquecia de reabastecer a gaveta. Lembro-me de ela ler em murmúrio as legendas dos filmes e de adormecer sempre, mas sempre, primeiro do que eu, o que implicava ter de ouvi-la ressonar (e Deus sabe o drama que é para mim ouvir alguém ressonar) e lá tinha eu de lhe ir dizendo "Shiuuu!" enquanto ela protestava que estava "só" a respirar. Lembro-me das histórias que ela me contava do meu avô, do meu pai e das minhas tias, que eu já sabia de cor, mas que tantas vezes lhe pedia para as repetir.
Lembro-me de nunca ter dar ouvidos quando ela se punha a dizer onde é que estavam as coisas que um dia seriam minhas porque era, na altura, de uma parvoíce tamanha eu sequer equacionar que ela ia eventualmente desaparecer. No meu entender, aquela minha avó ainda ia coser os emblemas da minha capa, que curiosamente nunca pus e sei que não vou pôr, ainda havia de ir ao meu casamento e aos baptizados dos meus miúdos (eu era uma sonhadora, nesses tempos). Nada disto aconteceu porque, uns meses antes de eu ir para Lisboa, ela desapareceu. 
Hoje, creio que foi a quebra deste vínculo físico que me fez perder a ligação a este lugar. Agora ela pode estar em qualquer lugar que eu queira. Ainda estremeço de cada vez que passo à porta de casa dela e estou para descobrir onde vou arranjar força para não desatar a chorar quando for logo à missa.

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