Sinto uma aragem a percorrer a minha face. Fecho os olhos: o vento sente-se melhor assim, sem se ver. E é assim que encaro o Sol, sem realmente o olhar; basta-me saber que o seu calor morno não me deixará.
Ao longe, ouço o riso das crianças que brincam no parque infantil. O desejo de me juntar a elas começa a nascer dentro de mim, não obstante as minhas duas décadas de vida. Suprimo-o, contudo, numa tentativa de prolongar esse sentimento de prazer antecipado - ou será a minha consciência, alertando-me para o ridículo de tal situação?
Capto o teu perfume no ar. Instintivamente, viro-me na tua direcção: sei que te aproximas, vindo do lado oposto ao parque infantil, vindo de um sítio que não o das gargalhadas, vindo do nada. Dou por mim a sorrir - quão patética te terei parecido, nesse momento em que o Sol deixou de te ofuscar e me encaraste? Não sorrias antes, agora não consegues conter uma gargalhada rouca.
Luto contra o desejo de abrir os olhos para te ver. Porque vieste interromper a placidez da minha tarde? Bem sabes que sou incapaz de te recusar a aproximação... Fizeste de propósito? Sim, fizeste - fazes sempre. Gostas de me contrariar. Ver-me lutar com sentimentos opostos é algo que te apraz, por algum estranho motivo. Daí que me imponhas a tua presença para me roubares ao vento, ao Sol, às gargalhadas. Puxas-me do mundo dos sonhos para a realidade. Deveria odiar-te por isso...
Acaricias os meus cabelos. Por segundos, penso em afastar a tua mão de mim, negando-me a deixar o meu fim-de-tarde solitário. Imagino a sombra que cobriria o teu rosto e logo me arrependo: espontaneamente, abro os olhos e fito-te, silenciosa. Sorris para mim, calmo, mais calmo do que imaginaria. Quase como se... quase como se aquele fosse o teu cantinho da paz, o teu parque infantil ao pôr-do-Sol, e eu a tua brisa, o teu calor, a tua gargalhada. Ter-te-ei julgado mal, na minha relutância em reagir ao mundo?
Estendes-me uma mão segura. Sabes que imitarei o teu gesto - por momentos, desejo que fosses incapaz de ter tal certeza, naquele meu egoísmo sem explicação. A minha mão já, está, contudo, na tua e eu deixo-me guiar por ti. Já não quero saber onde me levas, enquanto a brisa da tarde me puder tocar o rosto.
E eis que o gradeamento do parque infantil surge diante de nós. As crianças ausentes fazem-se notar pelo silêncio recém-imposto; porém, ainda ouço os seus ecos felizes. E, quando me conduzes até ao baloiço, sinto que os sentimentos infantis se transferem para o meu ser. Pequenos gestos, pequenos pensamentos, pequenas alegrias.
O céu deixa de se tingir de vermelho no momento em que permito que a minha gargalhada seja levada pelo vento.
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